terça-feira, 6 de novembro de 2018

Beltane e a Era Dourada


Houve um tempo em que a harmonia reinava entre todos os seres, animais, plantas e humanos. Homem e mulheres vivendo como iguais honrando todas as forças e energias. As mulheres portadoras dos mistérios da vida e da morte, carregavam o dom de criar e escondiam esses mistérios dos homens, achavam eles que elas eram mágicas, pois da noite para dia cresciam dentro de si, uma nova vida.
A participação deles nisso era ocultada, então nasceu um complexo de inferioridade, pois não havia como eles se compararem a alguém que magicamente davam frutos como a Terra. Elas detinham esse poder e ocultavam que isso apenas era possível através da semente que eles plantavam dentro delas. Como não partilhavam esses conhecimentos, faziam encontros para partilhar experiências, poções de fertilidade, saudar a natureza e preparar as meninas para sua vida fértil.
Alguns homens começaram a desconfiar e a questionar, a querer saber mais sobre esses “mistérios”. Então, houve uma divisão, parte das mulheres sentiam de partilhar com seus companheiros, de tira lós da ignorância (falta de conhecimento) e entregar o poder que já era deles no dom da criação. A outra parte queria manter secreto, temiam a não compreensão e que eles alterariam o fluxo natural, que as dominariam e manteriam o controle sobre as “sementes”.

Inevitavelmente o equilíbrio foi quebrado, as que sentiram de partilhar com os companheiros o fizeram e as outras partiram e se abrigaram em uma ilha, levaram as meninas, abandonaram seus companheiros e filhos (homens). Após atravessar um rio em meio as brumas, instalaram se em uma montanha antiga, onde apenas mulheres a serviço da Deusa, poderiam pisar. Regras bem claras foram estabelecidas e assim nasceram as sacerdotisas.
Era o paraíso, sem os seres inferiores (homens), elas poderiam viver livremente, cantar, dançar, andar nuas, plantar e colher suas ervas, flores e alimento. Sem olhares desejosos sobre seus corpos, sem nada a esconder, sentindo o sabor da vida, o aroma das flores, o cheiro dos frutos, honrando a Mãe Terra e todas as suas manifestações. Guardavam os antigos segredos da Deusa, entendiam sobre o fluxo da vida, a importância do sangue, curavam suas dores de forma natural e tranquila.
Uma vez que escolheram essa vida, negaram as suas famílias e nunca mais poderiam retornar, seus votos incluíam obediência as condutas, ao sacrifício (sacro ofício) e a ser fertilizada ao menos uma vez em seu ciclo lunar. Como, se não havia homens? Sincronizadas com a fertilidade da Deusa, elas mantiveram o ritual ancestral de fertilidade – Beltane – Do outro lado, a margem do rio, todo ano os homens preparavam fogueiras e um acampamento para esperar as “fadas”, eles nunca sabiam se eram reais ou quem eram, pois nesse dia elas usavam, máscaras, roupas especiais, pinturas, muitas delas reviam seus companheiros, mas não podiam se revelar a eles. Dançavam ao som dos tambores, bebiam vinho, e faziam amor, as sementes estavam sendo plantada.
Antes do amanhecer elas os deixavam, entravam em seus barcos e sumiam nas brumas. Banhavam se, tomavam um chá com ervas para manter a “semente” dentro de si e ficavam deitadas. Em breve estariam gestando como a Deusa, ao nascer os bebês, os que eram meninas ficavam na ilha, os meninos eram abandonados na outra margem do rio, onde regularmente luas após o ritual de Beltane surgiam crianças doadas pelas “fadas”. Ao menos um menino era sacrificado em honra ao deus Sol, seja em forma de aborto espontâneo ou após o nascimento. Vez ou outra também quando não fertilizadas durante o ritual, mulheres caçavam seus reprodutores cantando as margens do rio, eram atraídos por sua beleza, por seus cantos e após o acasalamento eram sacrificados.

A Deusa nunca pediu para que sangue inocente fosse derramado e por isso o desiquilíbrio aumentava. Passou se muito tempo, gerando sofrimentos a filhos sem mães e pais, abandonados, crescendo um desejo inconsciente de conflitos e foi assim que surgiram nossas guerras. Os sem terras ou sem leis, nem sempre foram adotados e cuidados, muitos cresceram na floresta sozinhos ou em grupo e começaram a reivindicar do direito de serem reconhecidos de uma forma nociva, tomando para si o que não tinham.
Dentro dessa balança que pesava muito para um lado, homens subjugados, inferiorizados e oprimidos buscaram fazer o mesmo jogando o peso para o outro lado. O poder feminino foi banido, a conexão com a natureza se perdeu, a mulher de sagrada passou a ser inferior. As antigas histórias foram reinventadas, ouve toda uma alteração na psique inconsciente e isso foi possível pela porta de entrada da culpa.

Do outro lado do rio, uma criança nascia e ela carregava uma profecia, essa profecia dizia que a era da Deusa ficaria adormecida por muitas luas, que o ferro reinaria, uma nova era se iniciava. A Grande Sacerdotisa quis sacrifica ló quando viu o desenho da lua em seu tornozelo, temendo pela era de destruição, guerras, fome e separação. Esqueceu que foi ela quem iniciou a separação, excluindo os homens de seu sagrado, nada mais pode ser feito, durante a noite carregada de amor materno a criança foi levada para outro lado do rio.
E no dia seguinte entregou o pequeno rei para seu destino, a sua chegada ao trono marcou o fim da era da Deusa como a conhecemos e a era do poder masculino agressivo, autoritário e patriarcal chegou trazendo consigo a evolução material da civilização.
As mulheres filhas da Deusa, foram queimadas em fogueiras, foram torturadas, foram dizimadas sem poder manter sua prática e conexão com a natureza. Esconderam sob um manto azul, negaram seus corpos, seu prazer, passaram a temer a figura masculina e a odiar em seu interior. Uma vingança mora em seu inconsciente, essas memórias estão vivas em cada célula do corpo, esperando para serem liberadas.
A era de ferro está findando, e outra há de nascer em breve, a balança será restaurada e ela é dourada, como a Era que se inicia. O assumir as responsabilidades, homens e mulheres, feminino e masculino, liberar as memórias nocivas, ativar as lembranças do tempo que vivíamos em paz e em harmonia com a natureza, animais e plantas, essas memórias também estão dentro de nós.

A guerra cessará, o sangue inocente deixará de banhar a terra, a raiva e o ódio serão lavados com o perdão, o abandono será selado com a união. Sementes serão plantadas com amor, por amor, os frutos serão colhidos de seres despertos, conscientes e em unidade. Deixaremos as ilhas que habitamos dentro de nós para formar um único continente, onde de mãos dadas celebramos, dançamos, cantamos e faremos amor em Beltane.


Asha
02/11/2018