terça-feira, 27 de setembro de 2016

Doce Primavera

 Aos poucos elas foram chegando, florindo a floresta com suas saias e energias, algumas ansiosas, outras curiosas e todas esperando, como aquela espera pra nascer ou melhor renascer.
Tudo tão demorado, a expectativa para ver, sentir, começar ... E aos poucos a tranquilidade vai chegando, no vai e vem dos ventos nas folhas.
O altar sendo montado, a fogueira sendo acesa, os detalhes, a leveza e paciência de quem conduziria o trabalho, ia passando segurança, acalmando o coração.
Observo as outras mulheres, todas tão diferentes em suas idades, estilos, uma mamãe, irmãs, um bebê, o feminino tão presente.
A paisagem nos levando para um espaço sagrado, um bosque encantado, com seres elementais que iam chegando para participar da cura e celebração.
Algo dentro de mim me empurrou para ali e por muitas vezes me perguntei o que estaria fazendo, a mente e seus pensamentos, seus medos e dúvidas,logo pararia de me influenciar.
A moça de branco e cabelos curtos faz um breve discurso, dominando o assunto, quase emocionada de tão contente.
Ela agradece, agradece muito, como se algo muito grandioso acontecesse, mas era apenas mulheres em círculo, em volta da fogueira.
Ela nos apresenta uma medicina e convida a experimentar ... o Rapé, observo as meninas, e aos poucos a própria medicina vai chamando todas para a fila, a música embala esse momento, uma mistura de animação, com seriedade.
Processos de cura e limpeza, meninas mais experientes ajudam, a mente pára de influenciar, de me perturbar e enfim, começou ...
Tiramos uma carta falando do nosso momento pessoal, o que viemos resgatar, e chega o momento de consagrar o chá, de joelhos ao altar, para receber a bebida da Rainha da Floresta, uma prece e volto ao meu lugar.
Desconforto no estômago, sonolência, uma mistura de sensações e as vezes nada, as canções embalam, me levam ... A força vem chegando, mostrando minha vida, o choro vem, choro tanto, algumas pessoas do passado, que precisam ficar lá para sempre, as do meu presente que preciso amar e cuidar mais.
Tento lutar, abro os olhos, mas ela vem e me leva a viajar por tantos lugares, tantas vidas, tantas flores e cores, ouço minha própria voz me orientando e a sigo.
Recebo ajuda de tantas pessoas e sou tão agradecida, embora não consiga agradecer. Tanto cuidado, tanto amor ... Nas lágrimas preciso perdoar e pedir perdão, meus ancestrais, meus familiares, a mim mesma.
Vou chamando Deus pai e a nossa Senhora, que me guie, que fique comigo, até isso tudo passar.
Vejo o mar, as ondas, os raios e essa água me leva para dentro do útero e ao mesmo tempo pareço estar gestando, uma mistura. 
A cura do útero, estou no ventre da Grande Mãe, ela tira minhas dores, ela me oferece o que faltou, me sinto tão amada.

Agora passou, me sinto mais leve, uma pausa e logo vamos aprofundar.

Mais um pouco de chá, bem pouquinho porque ainda estou bem dentro de mim, na força como dizem. Agora as músicas estão animadas, quero dançar, não consigo, alguém fala comigo, eu falo comigo, esse encontro tão especial de estar apenas comigo, preciso aproveitar.
As meninas dançam, que lindas, em volta do fogo, suas saias. Vou dançar na floresta sozinha, sentir meu corpo, sentir a tudo.
Agora no círculo, somos uma, vontade de rir, de chorar de alegria. Isso sou eu, aqui posso ser eu, tão simples e profundo, tão natural.
Sinto meu corpo, sinto meu quadril em movimentos tão à vontade, e penso porque não danço mais, a essa música ... Abraço minhas irmãs e sinto uma imensa gratidão por cada uma, por esse momento, por essas medicinas, por esse lugar.
Gratidão a mim por deixar minha essência me trazer até aqui. <3



Asha
Cerimônia de Primavera 2016












segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O último mergulho



Lembro me nitidamente da última noite em que fui convidada a descer as profundezas, não foi um rapto súbito e nem amedrontador ... Ahh foi tão sutil, belo e delicado.
Um abraço carinhoso e aconchegante, um olhar que enxergava a alma, e uma pergunta:
- Está feliz? - Sim, muito! Um leve toque nos lábios, um até logo, e assim fui jogada em uma jornada tão desafiadora quanto o enfrentar da própria sombra.
A cada passo que descia, lírios brancos iam sendo deixados pelo caminho, o perfume me faria voltar, lembraria do cheiro da manhã, do sol, do calor e do respirar de um retorno.
Por ter o olhar sempre elevado, nem percebia a profundidade que estava descendo, somente quando estava lá, me deparei com tantas batalhas e ruínas, com seres de todas as espécies, com suas prisões reais e ilusórias, precisando de orientação, de luz e de esperança.
Tão difícil de respirar, tão dolorido de sentir, que guardei meu coração em uma concha e aos poucos a beleza de tudo ia ficando preto e branco, um cinza tão adequado.
Por mais fundo que fosse, o anjo orientador seguia me e dizia que era preciso ficar sozinha, em silêncio, aguentar, que passaria no momento certo.
Fui despindo me de tudo, das pessoas, das roupas, dos cabelos, dos desejos, dos prazeres, do ego, apenas fazendo o que era preciso.
Ao final da escada, um salão e boas vindas, como se fosse um troféu e novas armas para as próximas batalhas, conhecimento, autoconhecimento, faces sombrias que guardam toda força para voltar.
Antes, um último mergulho, meus desejos em um bandeja ... Já estou tanto tempo aqui embaixo que quase não recordo como é lá em cima, saudades do sorriso por nada, do reflexo no lago, dos banhos de cachoeira, e do abraço "dele".
Está na hora de voltar! Me despeço em gratidão por todas as experiências vividas, por todas as curas recebidas, por todos os seres resgatados e libertos ...
Respiro fundo, busco as forças que ainda restam e lentamente cada degrau vou subindo, seguindo o cheiro dos lírios e a luz do Sol.
O gosto de romã em meu lábios, me faz lembrar que voltarei, mas agora, vou subir, na mesma profundidade que desci e aproveitar o frescor da Primavera.

Asha
quase primavera